Paradigmas Científicos, Consciência e Espiritualidade
Como harmonizar espírito e corpo,
espiritualidade e matéria? Esses termos parecem, a priori, estar em oposição e
ser irredutíveis, tanto para os que se apóiam no senso comum, como para
cientistas. Para a grande maioria das pessoas, espírito e corpo remetem a duas
realidades totalmente distintas. Qual seria a razão dessa percepção dissociada?
Frente a essa problemática, o 1º Fórum Espiritual Mundial,
realizado em Brasília de 6 a 10 de dezembro de 2006 se propôs a discutir,
sob perspectivas e credos religiosos diversos, questionamentos cruciais sobre
realidade e espiritualidade.
Certamente, esse encontro trará
conseqüências benéficas e ainda pouco previsíveis para a comunidade local e
mesmo planetária ao colocar em questão, entre outros temas, tópicos fundamentais
para a evolução da espécie humana e para os indivíduos em particular como
realidade, consciência e espiritualidade.
A afirmação pode parecer falaciosa,
exagerada e mesmo não científica para os adeptos do paradigma realista
objetivista, ainda prevalente nas ciências e na atual concepção de mundo e de
matéria. Na visão objetivista, considera-se que a realidade é tal qual nosso
aparato corporal parece apreender. Postula-se a existência de uma realidade
dada e estruturada, regida por leis imanentes e dissociadas do sujeito. Nessa
visão de mundo, espírito/consciência, por um lado, e cosmos/matéria, por outro,
estão separados. A realidade nos é dada de antemão e é regida por leis que são
acessíveis e inteligíveis pelo entendimento intelectual e pela verificação
empírica. Uma das possíveis explicações para a visão dualista que dissocia a
relação mente e corpo pode estar ligada ao medo da morte do ego e ao desejo de
perpetuá-lo. De acordo com essa concepção, dicotomias como espírito e matéria,
corpo e mente, ciência e espiritualidade são conceitos impossíveis de serem
conciliados.
Pelo contrário, os
familiarizados com o paradigma holístico e quântico (Heisenberg, Goswami) ou
mesmo os que se identificam com a teoria das estruturas dissipativas e a
auto-organização dos sistemas (Prigogine) e a auto-organização dos sistemas
vivos (Maturana e Varela), todos eles acreditam que haja "unidade",
em diferentes níveis, de todos os seres vivos entre si e com o próprio
universo.Trata-se de uma alternativa complementar à tese dualista que a estende
e a amplifica, frente aos avanços na ciência, em especial, na física, na
química, na biologia e nas ciências cognitivas.
Essa nova maneira de conceber a
realidade passa por uma melhor compreensão do lugar do ser humano no cosmos,
além de estar inteiramente de acordo com o conhecimento científico atual. Na
física quântica, Heisenberg introduz o “Princípio da Indeterminação”, que
salienta o papel do observador na percepção da realidade. Esse princípio daria
suporte à tese das múltiplas possibilidades de manifestação da matéria, em que
o observador é o espírito, questão bem ilustrada no filme What the
bleep do we know?
Fundamentando-se na física quântica,
Goswami dá sua explicação científica para a reencarnação, a imortalidade e
experiências quase morte e coloca a consciência como o cerne da problemática.
Na biologia, Maturana, Varela e Uribe utilizam pela primeira vez, na literatura
internacional, em 1974, o termo Autopoiese que significa autoprodução. Em um
sistema vivo, a estrutura se reproduz e muda continuamente. Ele se nutre e se
adapta constantemente e está sujeito às modificações ininterruptas do ambiente
que o nutre e o contém. Aquilo que acontece em um sistema em dado momento
depende de sua estrutura naquele momento e, portanto, está sujeito a
possibilidades diversas ao se manifestar como evento ou matéria. Na química,
Ilya Prigogine, Prêmio Nobel de Química em 1977, cria, no decorrer de sua
extensa pesquisa sobre o tempo e a matéria, a teoria das estruturas dissipativas
e a dos sistemas auto-organizadores e inaugura a “era da incerteza”. Suas
pesquisas demonstram o fluxo irreversível do tempo, ou seja, a existência de
instabilidades e flutuações que ocasionam padrões evolutivos em todos os níveis
de manifestação da matéria. Assim, desde a cosmologia do universo à biologia
das células, tudo na natureza evolui com base em possibilidades. Em vista dessa
extensa literatura sobre a nova concepção do real, somos levados a concluir que
a consciência seria um fator de interferência na criação da realidade.
Por outro lado, outra maneira mais
familiar de explicar a consciência apóia-se na psicologia do desenvolvimento
(Piaget, Vigotski). Perguntamo-nos: como um pensamento, um estado do “eu” e até
mesmo a consciência podem proceder da matéria? Como a consciência pode criar a
realidade? Se isso de fato for verdade, choca terrivelmente o senso comum.
Entretanto, tudo se torna muito lógico se for considerado o fenômeno da
evolução e os recentes estudos da física quântica. Tudo o que faz um indivíduo
é o produto de duas evoluções: a das espécies e a que o indivíduo produziu
dentro de uma determinada espécie. Disso resulta que o ser humano, tal como
hoje o concebemos, provido de inteligência e de consciência, não surgiu do
nada. A sua capacidade de conhecer, de antecipar, de projetar, de representar,
de se comunicar verbalmente e de criar artefatos desenvolveu-se lenta e
paulatinamente em interação com o meio ambiente.
Com efeito, uma criança antes de
falar não tem a idéia bem estabelecida do “eu”. Ela é inteira. É ao falar, ao
interagir com os seus semelhantes que a criança constrói a noção de “si mesmo”
e se identifica como um objeto particular, diferente do outro e do mundo.
Geralmente, por volta de 18 a 24 meses, surge a consciência na criança. Ela
começa a perceber-se como “eu” e a ser capaz de causar mudanças no mundo. Se,
por um lado, há uma pequena parte da consciência que se apóia na linguagem, por
outro lado, há enormes conteúdos da psique que não têm acesso à linguagem articulada
e que se exprimem sobre a forma de projeções e de imagens arquetípicas à espera
de vir à tona pela progressiva evolução da consciência.
Cremos que a exacerbação do “eu”
desarticula e desintegra o ser humano, tornando-o um predador de si mesmo, dos
seus semelhantes e do ambiente natural e social, afastando-o de sua essência
espiritual divina. Se adicionarmos às duas tradições acima a prática da
meditação como um antídoto para a dissociação espírito/matéria, certamente
estaremos contribuindo para a elevação de nosso nível de consciência e
afetando, de alguma forma, os nossos semelhantes, bem como o mundo que
habitamos. Estaremos criando a realidade, ou seja, direcionando-a para
possibilidades mais adequadas à natureza do nosso ser, se forem escolhidos
padrões apropriados de rotinas neurais e ou comportamentais, sejam eles de
pensamentos saudáveis, de relacionamentos sadios e até mesmo de relações
adequadas com o ambiente natural e social.
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